segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Vinte e oito anos

O Zeca Afonso morreu há vinte e oito anos. Tropeçamos na morte constantemente. Afinal, morre-se todos os dias - e nasce-se, também. Tropeçamos na morte e ficamos momentaneamente paralisados, ao sentir que também o nosso sangue é finito, ao contrário dos rios, que se alimentam da chuva e não se extinguem na seca. Não é a morte, contudo, que nos mata neste instante, e sim a vida que não nos atrevemos a viver, os dias que não inventamos, as palavras que nos ardem na garganta e se extinguem algures entre a traqueia e a aorta. Mortos em vida, estamos muito mais longe dos vivos do que daqueles que partiram - porque desses guardamos sempre o melhor, as memórias que nos convêm. Esquecemos a dor porque essa, sozinha, nos deixa encurralados. A dor que provocamos nos outros é nossa - devíamos senti-la nossa - e como tal assumi-la, tomando a responsabilidade nas mãos. Porque não o ensinamos aos nossos filhos, desde tenra idade? Magoaste, pedes desculpa. A dor dos outros é nossa porque é igualzinha à que sentimos quando somos nós os magoados. Aprendemos com o exemplo, e não há exemplo mais digno do que o do respeito, aliado à tomada de responsabilidade e consciência dos próprios erros. Fizeste merda, pede desculpa. Simples. As coisas mais simples da vida, porém, são aquelas que parecem mais complicadas. Há quem não consiga ver, simplesmente, como a senhora vereadora do UKIP que fez aquela triste figura ontem na televisão. E, valha-nos Deus, tanta gente hoje na LBC a dizer que a senhora foi apenas honesta, e blá blá blá. Será que ninguém explica a esta gente o significado de preconceito? Sentir-se incomodada na presença de pessoas com uma cor de pele diferente e não saber porquê, é mesmo aí que começa o preconceito: num sentimento perfeitamente legítimo de nos sentirmos incomodados ou ameaçados pela diferença do outro. Não teria consequências de maior se ficasse por aí, mas infelizmente na grande maioria dos casos leva a comportamentos discriminatórios. E então, sim, começam os problemas.

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